Pra ler depois...

Um livro para cada uma de minhas vidas

26 de janeiro de 2022. Essa foi a data em que terminei de ler todas as crônicas da Clarice Lispector. Quem me acompanha no skoob pôde ver a minha saga com esse livro; comentei que tinha sido como uma gravidez, um processo. Eu engatei nele em agosto do ano passado, e entre pausas e dias em que eu o devorava, posso dizer que ao fechá-lo tive a sensação de que esse é um dos livros de uma de minhas vidas. E essa ideia eu peguei de uma crônica onde a Clarice diz que para cada momento-fase de sua vida (o que ela chama de uma vida) ela foi marcada por uma obra diferente. Na infância o patinho feio, Aladdin e as histórias de Monteiro Lobato instigaram a sua imaginação, já mais velha um outro chamado o lobo da estepe a dilacerou. 

Pensei então, quais são os livros de cada uma de minhas vidas? Na infância lia e relia e rabiscava um livro de capa verde e dura, se não me falha a memória, chamado os músicos de Bremen. Eu tinha também as histórias do Maurício de Souza, e era amiga da Mônica, do Cebolinha, da Magali, Cascão, Chico Bento e toda a sua turma. Lembro também de uma Bíblia ilustrada que eu ganhei em algum momento. De um lado havia uma ilustração das histórias bíblicas que pareciam uma pintura, achava lindo, gostava de observar todos os detalhes; e na próxima página havia uma história que a acompanhava. Ao que me recordo foi o primeiro livro grandinho que li em um só dia e me orgulhei demais desse feito (era mais resumido que uma Bíblia na íntegra). 

Mais tarde, na adolescência eu gostava de me refugiar na biblioteca da escola quando esta estava aberta e foi quando eu me senti menina-mulher: conheci os livros sem figura. Mas foi entre as literaturas que minha mãe trazia do trabalho que com quinze, eu me impactei a primeira vez com a menina que roubava livros, e entendi o poder das palavras. Em outro momento, ganhei da minha tia num aniversário batendo a porta do céu (título inspirado na música do Bob Dylan) e tive vontade de, como a Sílvia, viajar, me voluntariar, agir localmente também, fazer mais por mim e pelo mundo.

Com dezoito, tive um ano difícil, e fui acalentada com série Cris, as aventuras de uma garota chamada Cristina Miller e seus amigos me trouxe de volta perspectivas, e me ajudou a refletir sobre a minha fé. 

Aos vinte ri e chorei com a Anne de Green Gables, a sua resiliência, a sua força, a sua paixão de viver, a sua poesia, o seu amadurecimento me inspiraram. Em amor de redenção, eu fui confrontada: tive raiva da personagem e logo vi que estava me olhando em um espelho. Eu era Angel. Eu não sabia receber amor. Eu precisava descobrir o Amor. 

E então, aos vinte e quatro, Clarice falou comigo. Ela disse que não era difícil entendê-la, era apenas questão de sentir. De estar na mesma frequência. Ela me ensinou que eu posso falar do cotidiano, das minhas percepções, não porque isso vai mudar algo, mas porque escrever é importante para mim, e compartilhar também. Também entendi que eu não preciso ser forte sempre: a fraqueza também deve ser respeitada. Que solitude é coisa rara e precisa. Que viver é duro mas é preciso viver - afinal, tudo que é vivo se contrai. E que às vezes, eu vou sentir saudade de mim e não aguentar os barulhos e ruídos da vida, e nesses momentos terei certeza que isso é uma chamada à desacelerar. A silenciar. 

Mal posso esperar para descobrir qual é o próximo livro que me espera após a próxima curva na estrada.

Comentários

  1. Mds Liz, que incrível, eu nunca tinha parado pra pensar nisso, que realmente cada fase da nossa vida é marcada por algum livro, e que todos eles ajudaram a nos moldar e sermos o que somos hoje por causa deles. Todos sempre tiveram algo a acrescentar nas nossas vidas.

    É por causa disso que eu também amo livros, ler é muito bom! Obrigada por essa reflexão! ♥

    Beijos,
    Livro de Memórias

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  2. É uma questão a ser pensada. Gostei muito do texto.

    Boa semana!

    O JOVEM JORNALISTA está em Hiatus de verão de 18 de janeiro à 04 de março, mas comentaremos nos blogs amigos nesse período! Mesmo em Hiatus, o blog tem um post novo. Não deixe de conferir!

    Jovem Jornalista
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    Até mais, Emerson Garcia

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  3. As palavras me acompanharam por toda a minha vida, mesmo quando eu não sabia ler e fingia que estava lendo um livro de receitas (que na minha cabeça era um livro muito interessante de espiões). Aos 8, Cecília Meireles me marcou com "Isto ou Aquilo?". Foi quando eu soube que havia nascido para ler e escrever sobre meus sentimentos. Foi aos 8 anos que entendi que só a escrita era capaz de me curar por inteira e me fazer entender. Depois veio Machado de Assis... e claro, Clarice. Ela mora no meu coração e ocupa tanto espaço que nem sobra espaço para muita coisa. Ela escreve tudo aquilo que sinto mas não sou capaz de dizer. Ela diz aos meus ouvidos e me faz companhia quando me sinto sozinha. Ela me faz forte. Ela me faz mulher. É muito especial essa conexão quando encontramos.
    Abraços!
    claraaoliveira.blogspot.com

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    1. Receitas e espiões, amei, hahahahah! Amo a imaginação da criança! Que comentário e linda declaração à Clarice, Clara! Coisa mais preciosa <3

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  4. Eu achei de uma beleza gigantesca esse post. É tão lindo se encontrar na arte, se ver acompanhada de algo que tanto diz sobre aquilo que mora dentro. Tão incrível é encontrar essa ligação!
    Vou-me agora refletir sobre os livros de minhas vidas, tenho muito do que viajar em nostalgia :)

    Abraços,
    Any.

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    1. Ai, que lindo, Any <3 espero que seja uma linda viagem...

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